HeatWave é um jogo de aventura gráfica interativa que utiliza estímulos hápticos e sonoros para permitir ao jogador traçar caminhos narrativos únicos. Esse projeto foi realizado em colaboração com a absolutamente incrível Giovanna Bilotta.
Contexto
A partir de nossas pesquisas anteriores, fomos capazes de unir os temas de Wearables e Audio Games em um conceito que busca inovar o gênero de “escolha sua própria aventura”. Partindo do questionamento de como utilizar do design multissensorial para construir uma experiência muito mais memorável, em um mundo e momento nos quais estamos tão imersos no virtual, buscamos integrar as experiências e características do usuário dentro da mecânica do jogo, a fim de torná-la uma vivência muito mais pessoal.
“É sabido que a experiência do jogo compreende quatro aspectos: físico, mental, social e emocional”
(El Saddik, 2007 - pesquisador em comunicação multimidiática)
Nos inspiramos em jogos clássicos de mesa, como Cidade Dorme, e até mesmo mais recentes jogos de tabuleiro, como o Sheriff of Nottingham, para implementar a dinâmica de sentimentos humanos em jogos até então puramente eletrônicos. Esses exemplos se aproveitam da emoção e adrenalina momentâneas para criar desafios baseados nas capacidades de blefe, discussão e interpretação de papéis dos jogadores. Dessa forma, ao fazer uso não só da reação do jogador aos estímulos do jogo, mas também do input de estímulos do próprio jogador, é possível desenvolver uma narrativa extremamente imersiva.
Usuário
Nosso projeto se destina a pessoas que dão preferência a jogar jogos que valorizem o storytelling e a relação entre personagens. Alguns exemplos de similares (no âmbito narrativo, interativo e de mídia) são: Undertale, Night in the Woods, Stanley’s Parable e The Wolf Among Us. Nesse sentido, ao buscarmos realçar os aspectos imersivos dessa categoria de jogos, também fugimos da expectativa de usar equipamentos de realidade aumentada ou virtual, célebres por trazer consigo uma série de empecilhos ao uso, entre eles: enjoo, dores de cabeça, olhos secos, tontura, entre outros. Com isso, conseguimos inovar no uso de materiais, integrando os sentidos e trazendo a mesma qualidade de resultados.
Objetivo
Tendo essa pesquisa em mente, nosso objetivo ao desenvolver o conceito do jogo se relaciona com elevar a experiência de jogos de aventura narrativa, a partir da conexão com os sentidos do jogador. Utilizamos aparelhos digitais como importante ponte na captação e devolução de feedback corporal, ocorrendo sempre uma troca entre o jogo e o jogador. A narrativa provoca emoções diversas, exacerbadas pela liberação de estímulos tanto sonoros quanto táteis, ao mesmo tempo em que os aparelhos captam as reações de resposta do jogador, fechando o ciclo de interação ao modificar a narrativa com essas informações coletadas.
Equipamentos necessários
Para a atuação jogo-jogador, desenvolvemos a ideia de um vestível completo, porém confortável, para o momento da jogatina. Combinando microatuadores e sensores hápticos em tecidos condutores, é possível gerar correntes elétricas de calor ou frio (como a TEGway ThermoReal) e captar as flutuações de batimento cardíaco. Além disso, implementando a tecnologia de “pele microfluídica” (como da HaptX Glove), conseguimos uma simulação precisa de toque, movimento, textura e peso a partir da pressão aplicada por esses microatuadores em toda a região do vestível, ao se levantarem e abaixarem de forma rápida ou devagar, em ondas correspondentes à sensação que queremos recriar: um toque breve da mão no ombro, cutucadas repetidas no braço, um pequeno inseto subindo por seus dedos etc.
Com a intenção de incorporar esse wearable a momentos de lazer, ele deve ter forma compatível com sua função. Sua malha deve ser flexível, não muito quente, produzida para ser fácil de vestir e retirar, sem muitos incômodos relacionados a peso ou formato na hora de jogar por algumas horas. Com isso, optamos por criar um casaco, inspirado na HugShirt, com capuz e luvas embutidos para maiores áreas de contato. Sua parte da frente conta com a aplicação de fechamento em zíper.
Quanto a outras funcionalidades fora da roupa háptica, pretendemos usar o reconhecimento facial como outro meio de captação de emoções. Utilizando a câmera conectada ao próprio computador, conseguimos captar para onde o jogador está olhando e suas expressões, construindo uma interação com os personagens extremamente realista, mimicando uma conversa real e aplicando essas informações como variáveis para gerar opções de resposta dentro do jogo. Dessa maneira, adicionamos mais um nível de interpretação ao jogo, levando o jogador a pensar estratégias não só lógicas, mas também corporais, em momentos de bate papo.
Para elevar o fator da audição, escolhemos o áudio 4D como elemento adicional. Podemos gerar ambientações completamente diferentes ao utilizar das camadas auditivas, criando sensações de distância ou até mesmo alteração de sentidos. Esse tipo de áudio consegue ser reproduzido em qualquer aparelho, aumentando a acuracidade em fones de ouvido. Sendo assim, o jogo cria a necessidade do jogador ouvir com cuidado os sons a sua volta para descobrir elementos importantes da construção narrativa.
Narrativa implementada
A aventura roda em torno da personagem principal e cinco possíveis amizades. Cada um deles possui um leitmotif, assim como a personagem jogável, sempre começando com o mesmo. Para criar relações com as pessoas, são dados diversos cenários e escolhas, enquanto suas expressões faciais, batimentos cardíacos e direção a qual olha a tela também influenciam diretamente nos resultados dessas interações e, com isso, dos caminhos no jogo em si, moldando elementos do leitmotif da sua própria personagem.
Ao ser convidada para ir a um luau, a personagem principal sente que precisa beber muito para conseguir se enturmar (não incentivamos esse comportamento!), ficando com seus sentidos inebriados. A partir daí, o áudio 4D começa a ser utilizado em momentos de alteração da realidade, a visão da tela fica turva e a roupa háptica envia sensações confusas para o jogador, levando à tela preta, quando a personagem desmaia. Quando acorda, ela se encontra em casa e se lembra vagamente dos ocorridos do dia anterior, seguindo sua rotina e indo para a escola normalmente, mas descobre através dos outros alunos que houve um incêndio devastador naquela noite no luau.
O jogo em si é dividido em três atos, o primeiro baseado em dating sims, focado em conhecer os personagens, dando uma falsa expectativa ao jogador, sendo ela quebrada no segundo ato, após a festa, quando você deve se juntar à pessoa com quem você esteve mais perto até agora para resolver o mistério do início do incêndio. Ao se passarem os dias dentro do jogo, o jogador deve tomar decisões referentes a quem quer conversar e para onde quer ir, descobrindo diferentes pistas, levando a diferentes finais, que podem apontar para diferentes pessoas, inclusive você mesmo. Para auxiliar nos caminhos a serem percorridos, a personagem principal revive a noite do ocorrido em seus sonhos, reconhecendo aos poucos os estímulos relacionados aos seus sentidos, antes alterados. Essas informações podem ser exploradas ao compará-las com as vivenciadas pelo jogo, nos momentos acordados.
O terceiro ato começa com a necessidade do jogador apontar quem seria o culpado, precisando escolher como irá proceder com essa informação: se manter calado, entregar a pessoa às autoridades ou encobrir ativamente o caso. À esse ponto, o leitmotif do jogador foi construído completamente, e os outros personagens podem acabar percebendo seus motivos, captando o nervosismo, se a situação não for lidada com cautela. O jogo nunca aponta quem foi realmente o culpado, não possuindo um “final verdadeiro”, mas as escolhas do jogador no primeiro momento do jogo sempre acarretam nas ações dos outros personagens, tudo dependendo do julgamento de quem joga.
Referências Bibliográficas
EL SADDIK, Abdulmotaleb. “The Potential of Haptics Technologies IEEE Instrumentation
Measurement”, 2007.
GARG, Parth. How multi-sensory design can help you create memorable experiences. UXCollective, 2019. Disponível em: https://uxdesign.cc/multi-sensory-design-can-help-you-create-memorable-designs-95dfc0f58da5 (Acesso em: 23/11/2021)
HAPTX. Haptic feedback that makes it feel real. Disponível em: https://haptx.com/technology/. (Acesso em: 24/11/2021)
STONE, Zara. Haptic Controllers Bring Real Pain to VR Games. Wired, 2018. Disponível em:
https://www.wired.com/story/haptic-controllers-for-vr-bring-real-pain-to-games/ (Acesso em: 23/11/2021)
OROZCO, Mauricio, et al. The Role of Haptics in Games. ResearchGate, 2012. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/221923248_The_Role_of_Haptics_in_Games (Acesso em: 24/11/2021)
TEGWAY. Temperature Feedback Haptic. Disponível em:
“http://tegway.co/bbs/content.php?co_id=thermoreal&lang=en&ckattempt=1 (Acesso em: 24/11/2021)