Essa pesquisa teve início a partir de um questionamento: como explorar a interatividade de jogos digitais através de recursos sonoros. Desde o começo de minha jornada na matéria de Design e Expansão dos Sentidos, tenho gravitado na direção do estudo de design de som e como ele é capaz de contar histórias tão ricas quanto o design gráfico.
Primeiramente, naveguei a forma com a qual desenvolvedores de jogos criam suas obras e tudo o que deve ser levado em consideração, em seguida, a forma com a qual tais táticas podem ser desenvolvidas em audio games, ferramentas de inclusão para pessoas com deficiências visuais, um estudo de caso do audio game brasileiro “Breu”, e por fim, como eu utilizaria de ferramentas clássicas para trazer uma nova camada de significado às narrativas digitais.
No vídeo acima, o narrador comenta que quando falamos de storytelling cinematográfico, a conversa geralmente permeia o campo da visão, e apenas ele, e frequentemente, nos esquecemos o quão importante o som é para a mesma narrativa.
Recentemente, durante a publicação do desenvolvimento de G1, trouxe a tona a grande complexidade do desenvolvimento de áudio para video games e a questão da sobreposição de sons que ocorrem durante uma partida, graças às ações de um determinado jogador, essas dificilmente previsíveis.
Entretanto, as escolhas de tal design não se tratam apenas das qualidades técnicas dos efeitos sonoros e de mixagem. Além dessas questões, precisamos nos questionar como determinado som é usado para guiar a audiência.
É necessário levar em conta que adicionar todo som que seria capaz de ser ouvido em determinado momento é prejudicial à uma história. Melodias demais tornam-se ruídos e distraem o jogador de seu foco, de seu objetivo, é deveras importante ser seletivo e pensar com cuidado tudo o que é adicionado.
Todavia, até agora, analisamos os aspectos sonoros apenas como suporte dos visuais. Mas e quando essa base gráfica não existe? É o que ocorre com os audio games, jogos desenvolvidos apenas com o uso do som.
Criados como um caminho para a inclusão de jogadores com deficiências visuais diversas na cena dos video games, tais jogos também apresentam um estudo aprofundado de projetos auditivos. A partir da remoção dos elementos visuais, não há o fechamento de um caminho, e sim a abertura de novas possibilidades de exploração.
Breu é um áudio jogo inteiramente brasileiro, do gênero aventura com narrativa de suspense e terror constituído exclusivamente por recursos sonoros. O projeto não possui fins lucrativos, e conta com o financiamento da Secretária de Cultura do Estado da Bahia, sendo distribuído gratuitamente para computadores com sistema Windows e Mac.
"O jogo propõe ser inclusivo, oferecendo uma experiência imersiva para jogadores videntes e pessoas com deficiência visual. Breu possui uma narrativa investigativa, da qual conta a história de Marco, um jovem que ao perder a visão aos 15 anos de idade vai morar na casa de seu avô na pequena cidade de Angaquara, onde ouve estranhos relatos de pessoas desaparecidas na gruta da cidade. Marco deve então investigar o ocorrido e encontrar seus amigos e avô desaparecidos."
Um aspecto extremamente interessante do jogo é a forma com a qual ele utiliza de instrumentos musicais para nos guiar durante a partida: cada instrumento informa uma direção para a qual estamos indo, representando o instinto do protagonista, e quando eles todos se unem em uma música guiada pelo piano, sabemos que estamos indo na direção certa.
Todavia, apesar da proposta extremamente interessante, ainda assim me senti perdido jogando. Sinto que o "tutorial" para a locomoção está fracamente integrado na narrativa do jogo, poucas coisas conseguem ser conquistadas. Há uma grande demora até que se chegue de fato ao cerne da história, o que pode ser desmotivador.
Acredito que, o jogo se compromete com muito e entrega pouco de cada coisa. Se a locomoção é um elemento tão central, ele deveria recompensar o jogador pela investigação e exploração dos ambientes, mesmo quando o mesmo não estiver indo na direção certa, como um incentivo para que continue indo. Caso tal movimento não seja tão central para o tema da obra, talvez sua simplificação seja necessária.
A partir disso, me propus a investigar outras propostas. Primeiramente, percebi uma saturação do mercado de audio games com jogos da temática de terror ou semelhantes. Vide minha pesquisa anterior para essa formulação de G1, mais da metade dos jogos que encontrei focavam no uso da ausência do visual para causar sentimentos de nervosismo e medo, utilizando de jumpscares como mecanismo, ligando a ausência da visão com algo potencialmente assustador.
"Jogos de aventura, também conhecidos como adventures, são jogos eletrônicos cuja ênfase é focada no enredo e não na parte gráfica ou na ação. São caracterizados pela exploração dos cenários, pelos enigmas e quebra-cabeças, pela interação com outros personagens e pelo foco na narrativa."
Tal definição é uma das primeiras ao procurar adventure games em qualquer mecanismo de busca. "Breu" como uma proposta de aventura, poderia se aproveitar muito mais de recursos de diálogo, enigmas, relação dos personagens e narrativa do que necessariamente nas mecânicas de locomoção.
Com isso em mente, me deparei com áudio livros do gênero "escolha a sua própria aventura". Tais livros nascem dos volumes infantis nos quais deveríamos pular páginas para escolher as ações de nossos personagens, e se assemelham muito aos jogos de mesma vertente. Acredito que com ajustes mínimos, tais livros poderiam contribuir muito para a possível mecânica de jogos do mesmo gênero.
Ainda assim, em todas as obras que analisei senti falta de uma trilha sonora que de fato conversasse com a história, e a narrasse com tanta precisão quanto uma imagem.
O som é uma das formas mais profundas de se explorar o tema de uma obra. Como visto no vídeo acima, um produtor musical é capaz de fazer suposições corretas sobre uma personagem, apenas ao analisar seu tema de batalha. Desde os instrumentos usados, até a forma com a qual a progressão das composições é dada, tudo em sua música é escolhido de forma que ilustre sua história, o que se torna evidente para o jogador, mesmo sem o auxílio da imagem.
Com tal premissa, me deparei com o conceito de leitmotif. O leitmotif nada mais é do que um tema musical curto e recorrente, que é atribuído a um substantivo: um personagem, um lugar no tempo ou espaço, um sentimento, um evento.
Richard Wagner foi o responsável pela introdução de tal prática em suas peças de teatro, como uma técnica para tanto sedimentar uma ideia no imaginário de seus espectadores, como um auxílio sonoro para o entendimento da peça, que não é capaz de fornecer um campo visual igualitário a todos que a assistem.
Tal premissa é de extremo valor para áudio jogos, e mesmo que não utilizada com frequência nos mesmos, não é um conceito novo para jogos no geral, como visto abaixo:
E com isso, retornamos ao nosso ponto inicial: como explorar a interatividade de jogos digitais através de recursos sonoros. No vídeo acima, percebemos como o leitmotif de um personagem central para a história se infiltra nos temas de outros, até mesmo de lugares, demonstrando sua pervasividade.
Com esse princípio, é possível transformar o conceito de leitmotif em uma ferramenta de interatividade em jogos, uma vez que ele se transforma baseado nos acontecimentos narrativos, como visto no vídeo abaixo.
Dessa forma, minha proposta de refinamento do áudio jogo Breu seria o corte dos mecanismos de locomoção, girando o foco para a relação entre os personagens, mais condizente com os temas de suspense e aventura. Também proponho a introdução da mecânica "escolha seu próprio caminho", com o intuito de aumentar a imersão e conexão do jogador com aquilo que está sendo jogado, uma forma interativa de gerar interesse e diminuir a sensação de desânimo ao jogar.
Além disso, considero de extremo interesse a introdução de temas para determinados personagens e sua invasão em outros aspectos da história, deixando pistas sobre seus amigos desaparecidos, e quem o poderia ter feito.
"Interactive audio is a technology designed to allow specifically created audio, placed in a given application, to react to user input and or changes in the application environment."
O áudio interativo envolve a execução de uma ação para o subsequente efeito de som. Essas informações são usadas para direcionar o áudio, as características do som e os comportamentos em ambientes virtuais 3D, e dessa forma, o som mudará dependendo das ações ou eventos que são acionados.
Por fim, é possível aplicar tal modelo de áudio interativo para storytelling em jogos com o uso de tecnologias que se especializem em propagação de som, acústica virtual e renderização de áudio informada espacialmente.