Tudo que está ligado com o “bio”, a vida, está inerentemente ligado a discussões éticas. Decidir, com base moral, os guias de navegação do uso de material vivo em ambientes (principalmente não-científicos) torna-se uma discussão extensa. Notavelmente, tais questões são fortemente discutidas no ramo da bioética, esfera na qual se estudam as questões de natureza interdisciplinar entre as ciências biológicas, ciências da saúde e filosofia. Nos últimos anos, tem se notado um crescimento acelerado no estudo das biociências em relação com a arte: os biodesign, biohacking, transumanismo... trazendo consigo uma gama inteiramente nova de discussões bioéticas.
Partindo do pressuposto que toda forma de arte surge com um propósito, busco então argumentar a favor de que seja analisado principalmente o contexto em que uma obra é criada, e assim, levanto os questionamentos: até que ponto uma peça é considerada arte? Executar uma obra apenas pela habilidade de "se poder executar" configura um propósito? Existe a possibilidade de que algumas obras de bioarte contribuam para uma reflexão do público, que poderia ter sido atingida de qualquer outra forma? Por que fazer bioarte?
Eduardo Kac, no ano 2000 encomenda do Institut National de la Recherche Agronomique, na França o projeto GFP Bunny, o qual é executado pelo cientista Louis-Marie Houdebine e sua equipe. O projeto consiste no desenvolvimento de uma coelha (Alba) que "brilha no escuro". Em relação a tal empreitada, o artista afirma:
"As a transgenic artist, I am not interested in the creation of genetic objects, but on the invention of transgenic social subjects. In other words, what is important is the completely integrated process of creating the bunny and bringing her to society at large (...) This integrated process is important because it places genetic engineering in a social context in which the relationship between the private and the public spheres are negotiated. In other words, biotechnology, the private realm of family life, and the social domain of public opinion are discussed in relation to one another."
A partir de tal comentário, é possível perceber que o objeto de estudo artístico de Eduardo Kac nunca foi a coelha, sua genética, a técnica utilizada para sua realização ou até mesmo sua capacidade de brilhar, e sim, a reação que ela causaria ao ser apresentada para o público, caracterizando o tema irônico da "obra".
A arte está sujeita às mesmas leis e normas que outras atividades da sociedade. Dessa forma, podemos regular obras artísticas executadas com o uso de biotecnologia da mesma forma que uma pesquisa científica, por exemplo. A bioética aplicada analisa primeiramente se algo deve ou não ser executado, e não apenas sua "possibilidade" de execução, através das: ética de virtude (analisa o caráter moral da pessoa que executa uma ação e suas motivações pessoais), deontologia (analisa se escolhas são moralmente necessárias, proibidas ou permitidas) e consequencialismo (defende que um agente é responsável tanto pelas consequências intencionais de um ato, como pelas não intencionais).
Tais termos garantem tanto que os fins de um projeto não justifiquem suas técnicas, mas também que, quando em crise, é possível usar da análise do contexto para decidir quando alguns objetivos são importantes o suficiente para defender a quebra de normas pré-estabelecidas, como é o caso de ações que influenciem na manutenção da vida e bem-estar humano. Quanto maior o problema, maior é o sacrifício de pesquisa.
Importando tais conceitos para a bioarte, temos que, nenhum propósito de criação puramente artístico justifica o uso não-ético de matéria viva. Não somente isso, mas, retornando ao nosso exemplo de Eduardo Kac, temos, em uma nota de 2008, do cientista Louis-Marie Houdebine a informação de que o laboratório contatado por Kac já fazia o desenvolvimento de animais com células que emitem um brilho esverdeado somente sob efeito da luz UV, para marcação genética em pesquisas científicas.
Conjuntamente, o animal usado por Kac não foi desenvolvido para ele, apenas escolhido dentre os animais do laboratório e emprestado. Segundo Louis, o brilho emitido pelas células não pode ser observado por debaixo do pelo dos animais, e o único local o qual tal efeito torna-se visível é através dos olhos, levando a entender que as imagens fornecidas por Kac são fortemente editadas. Ele também afirma que a proteína GFP usada é conhecida por ser tóxica em altas concentrações, e que, a criação de tais de animais com o intuito de entretenimento seria considerado mal uso da ciência.
"The animals are thus quite useful, as we expected. They are a classical tool for biologists and they were generated just for this purpose. I can imagine that such animals are intriguing or funny but I can hardly conceive that art has anything to see with them."
Todos os coelhos em seu laboratório são gerados para fornecimento de instrumentos de pesquisa científica:
"We sent 15 green rabbits to an academic laboratory in Sweden. This group uses the rabbit as a model for retina grafting. They are very happy to use the green rabbits since they can follow the fate of the grafted material without using any invasive technique."
Com isso, podemos concluir que a obra de Eduardo Kac trata-se principalmente, da subversão do papel de um instrumento científico e sua apresentação ao público, analisando tais consequências. Dessa maneira, seu projeto trabalha muito mais profundamente assuntos como a reatividade social e opinião pública, do que da experimentação genética em si. Entretanto, se esse era seu objetivo primordial, porque não devolver tal reflexão ao público como catarse, explicando seu projeto? É inegável que o sensacionalismo e o espetáculo são fortes motivadores.
Por fim, sugiro que busquemos trabalhar o biodesign de forma que seu estudo aborde muito mais o uso do design para o favorecimento da biodiversidade do que da biodiversidade para o favorecimento do design de espetáculo, garantindo um propósito ético e eficiente para cada obra.